A impunidade é um tema batido, mas é necessário que se escreva sobre ele todos os dias. Não dá para acreditar que se trata de um mal incorporado, definitivamente, na rotina da coletividade. Por isso, cidadãos e cidadãs até se sentem esperançosos com o indiciamento, pela Polícia Federal, do banqueiro Daniel Dantas, acusado de praticar crimes financeiros, ou com a prisão (ainda que por algumas horas) de Raphael Souza, suposto matador e traficante de drogas, membro de uma família de políticos amazonenses.
A sensação da certeza da impunidade leva tanto o banqueiro quanto o filho do político, em grande medida, a agirem contra os interesses da sociedade. O mais escabroso dessa situação é que o estímulo ao crime, via não-punição exemplar dos delinqüentes, conta com a permissividade senão das estruturas de poder, mas de parte delas.
Daniel Dantas, preso pela Operação Santiagraha, por exemplo, arrancou, sintomaticamente, a indignação de membros do Judiciário e do Legislativo. “Não, ele não pode ser algemado! Não se trataria de um homem perigoso!”, justificaram. O “inofensivo” é suspeita de formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas, empréstimo vedado (não autorizado pela autoridade monetária) e lavagem de dinheiro. Tais crimes não poderiam ser executados por alguém que não fosse de alta periculosidade, que não oferecesse perigo à sociedade ou que não se relacionasse tão bem com o mundo dos negócios legais e ilegais.
A prisão de Raphael não ficou por menos. Muitos tentaram impedir que ele fosse algemado e encarcerado, inclusive os que detêm mandatos eletivos. Produziram-se, nesse episódio, cenas típicas do “mundo cão” televisivo. Assim como Dantas, Raphael aguarda em liberdade a investigação dos crimes que teria cometido por “não oferecer perigo à sociedade”. Essa justificativa só seria razoável se as armas e a munição apreendidas no quarto dele fossem mera ficção policial. Na mesma trama, estaria envolvido o deputado estadual Wallace Souza, pai de Raphael, acusado por um ex-policial PM de mandar executar pessoas ligadas ao tráfico de entorpecentes.
De imediato, a impressão que se tem é a de que casos como esses cairão, em breve, na vala comum da impunidade; e é isso mesmo o que acontece, na maioria das vezes. Acostumada a ver os de “colarinho branco” sem castigo, a população chega a se sentir satisfeita com as prisões-relâmpago de banqueiros e “filinhos de papai”. Essa atitude, por sinal, é que incentiva os malfeitores e seus cúmplices. Logo, a sociedade em vez de esmorecer diante dos momentos de injustiça, deve agir, sistematicamente, por mudanças nas estruturas de poder necrosadas.
Não são somente os ladrões de bugigangas que tiram o sono da sociedade. As cadeias estão abarrotadas de delinqüentes desse tipo, sem que a violência tenha encolhido. Enquanto isso, larápios do dinheiro público e quadrilhas do submundo do mercado ilegal agem com certa desenvoltura contra o interesse de todos, e estão sempre certos de que terão tratamento diferenciado perante a lei. Por isso, a sociedade não pode dar trégua à impunidade enquanto não quebrar todos os elos que a fortalecem.
*Sociólogo, jornalista e escritor.