Anos 80, o Brasil era um caldeirão. Eu estudava Jornalismo. Nas horas inventadas entre o estudo e o trabalho, seguíamos professores, militantes da Igreja Católica nas ações do Cimi Norte I, da Pastoral Operária, da Pastoral da Juventude, do Grupo Kukuro… A sala de aula tinha um pé na rua, nas noites longas no porão da Arquidiocese de Manaus, produzindo jornalzinho, no mimeógrafo para, em seguida, em estado de êxtase, colocar os impressos na rua.
Nessa mistura apaixonada pelo aprendizado, tínhamos a utopia de provocar mudanças, pelo menos provocávamos muita raiva nos acomodados e no poder instituído. As caminhadas missionárias eram um acontecimento. Nessa época nascia uma relação com uma turma que marcaria minha vida para sempre. Dela fazia parte Narciso Lobo (foto), o jovem professor da UA que nunca me perdeu de vista e não se aquietou até eu retornar à Ufam, em 2001, como aprendiz de educadora. Dividimos a mesma sala, até o dia 23 de julho, quando Narciso disse adeus às coisas terrenas, deixando projetos e sonhos em busca de aliados para provocar novas inquietações.
Hoje, diante de uma extrema dificuldade em lidar com as palavras, recordo o Narciso solidário. Sem ignorar os momentos de impaciência, é essa solidariedade firme, amadurecida, capaz de rever posições e dizer “eu errei”, uma das heranças deixadas pelo professor para nós. Como pesquisador, não fez reserva de mercado, ao contrário, socializava livros, artigos e suas pesquisas. Recordo a sua batalha por uma universidade mais perto da comunidade, por um jornalismo crítico, pelo exercício do debate e do confronto das ideias. Combateu o apego exagerado às técnicas na formação do jornalista, condenou os métodos fechados porque, dizia, são engessadores da arte de pesquisar, insistiu, como um sacerdócio, na importância da leitura e na formação humanística dos profissionais da área. Ultimamente, contava o tempo para se aposentar ao mesmo tempo que se declarava “tão animado” com a turma do primeiro período.
Ouvi, no dia 24 de julho, quando nos despedíamos dele, Luzarina Varela, uma ex-metalúrgica, afirmar, com emoção: “Narciso aproximou a academia dos trabalhadores”.
Que esta inquieta vida seja oxigênio quando o comodismo e as alianças perigosas ameaçarem justificar nossa existência.
*Jornalista, professora do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas.