Ivânia Vieira*
Tornar a memória uma atividade do presente sempre rende confusão. São tantos os esquecimentos construídos, rios de dinheiro e de receitas a partir de imagens para erguer o muro mental da não-lembrança em nome da reputação, da moral e dos bons costumes ocidentais. Às mulheres, o apagamento é um instrumento histórico do exercício da violência em vigor pleno na atualidade.
O parlamento é uma demonstração exemplar dessa condição. Não menos diferente é o processo para os cargos de comando no Executivo. Vejamos: pela primeira vez, o Brasil atinge a cota mínima de participação de candidatas aos cargos de vereador e de prefeito. Aliás, ultrapassou: as mulheres são 32,5% do total das candidaturas homologadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – 2,5% a mais dos 30% exigidos pela lei 9504/97 (a Lei das Eleições). Venceu-se a batalha cínica travada anos seguidos entre o reservar e preencher debaixo da qual os donos dos partidos se abrigaram para retardar o preenchimento da cota.
São 15 anos desde a edição da lei até à conquista desse número, no 12° ano do século 21. Entre a comemoração pelo feito (só possível porque houve uma ampla articulação nacional das mulheres para organizar a compreensão em torno dessa luta e de setores da Justiça Eleitoral que perceberam a insustentabilidade da hipocrisia dos proprietários das legendas partidárias) e a realidade um outro enfrentamento ocorre, silenciosamente.
As mulheres candidatas a vereadoras, na imensa maioria, têm que se virar em suas campanhas. A máquina partidária teve que engolir o preenchimento, mas atua deliberadamente para garantir o triunfo de uns poucos homens candidatos. São eles os eleitos primeiros pelos partidos e para os quais a estrutura trabalha.
A desigualdade na participação de homens e mulheres na política expõe o quanto a democracia precisa avançar e ser aprimorada. Lembrar disso é uma tarefa estratégica.
* Jornalista e professora do Curso de Comunicação da Ufam.