Membros do grupo Mobilidade Urbana, de Manaus, alertam para o desastre de transformar o tema mobilidade em um item único: o transporte coletivo urbano. Tem sido esse o tom das falas da série inaugural das audiências públicas para discutir o assunto. Pior, os posicionamentos estão marcados pelo olhar empresarial do setor de transporte coletivo, com apoio de determinados parlamentares e de gestores públicos.
O transporte coletivo é um aspecto importante no guarda-chuva da mobilidade. Só não pode ser o único ou se sobrepor sobe os demais como tende a ser em Manaus se não correrem mudanças de atitude já. O posicionamento empresarial é necessário, como o é o do cidadão e do conjunto de atores sociais. Um plano de mobilidade que tenha apenas esse foco já nascerá como data de morte marcada porque sequer chegará à condição de plano nessa área. Será um arremedo. A consequência tende a ser desastrosa para o conjunto da sociedade, com agravamento da crise urbana traduzida em mais violência, mais adoecimentos, redução da expectativa de construção de espaços mais harmoniosos e/ou aproveitamento criativo destes.
No ano de 2005, o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria de Transporte e da Mobilidade Urbana, e o Instituto Pólis, de Estudos, Formação e Assessoria em Política Sociais, produziu uma cartilha sobre a Mobilidade Urbana (interessad@s podem acessar www.cidades.gov.br). Cito alguns norteadores da publicação:
“Ter uma política de mobilidade urbana é ter um conjunto de princípios e diretrizes que orientem as ações públicas de mobilidade urbana e as reivindicações da população. Trata-se, por exemplo, de pensar e propor como será o deslocamento de pessoas e bens na cidade. Quando não existe uma política de mobilidade urbana, ou quando ela não funciona bem, as pessoas deslocam-se como podem. Cada um busca a solução individual de seu problema, sem que exista um planejamento público eficiente. Isso não é bom porque acaba atendendo os interesses de poucos, normalmente, de quem tem mais recursos, e a maioria sofre com as dificuldades para se locomover na cidade.
Um outro quadro didático é o do cotidiano da maioria da população, ignorada por um modelo de política que atende a poucos. A tradução desse modelo é: o transporte de casa para o trabalho é caro e muitos não conseguem pagar; gasta-se muito tempo em engarrafamentos que produzem atrasos e estresse; cada vez mais moradores vivem muito longe de tudo e consomem muito tempo para ir de um lugar ao outro; o transporte coletivo não passa perto de onde milhares de pessoas moram e é preciso andar muito a pé; as cidades são poluídas e barulhentas; a falta de ciclovias obriga ciclistas a andarem de bicicleta entre os carros; as calçadas são tão ruins que, mesmo querendo ir a pé, é melhor não ir; as travessias de pedestres são distantes e perigosas.
Com mais de 2 milhões de habitantes, Manaus clama por um bom plano de mobilidade urbana (que não seja fruto de acordos fechados entre quatro paredes e a partir das noções defendidas por tecnocratas) levando a sério as exigências para compor a proposta de mobilidade numa cidade com tamanha população. Daí a importância das discussões abertas e transparentes. É o nosso futuro que está sendo decidido.
*A autora é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da Ufam